quarta-feira, 14 de março de 2012

Primeira




"As palavras me antecedem e ultrapassam, elas me tentam e me modificam, e se não tomo cuidado será tarde demais: as coisas serão ditas sem eu as ter dito. Ou, pelo menos, não era apenas isso. Meu enleio vem de que um tapete é feito de tantos fios que não posso me resignar a seguir um fio só; meu enredamento vem de que uma história é feita de muitas histórias." C.L.


Era seu primeiro dia de aula.

Acordou muito cedo, ou melhor foi acordado, e tomou banho na tentativa de disciplinar os cabelos e saiu sem tomar café da manhã. Alimentos e caminhada não faziam bem ao seu estômago naquele horário. Desde pequeno sua mãe ficava constrangida com o menino vomitando o desjejum por toda rua, optaram por só comer depois das 10h. De barriga vazia vestia camiseta branca, tênis, jeans azul e mochila com o material.
Estava frio e a vontade maior era de ficar na cama embaixo do cobertor. No caminho via o orvalho pendurado no mato que molhava o tênis, juntando-se à terra. Ainda pôde ver o sol nascendo devagar.
A chegada foi assustadora. As ruas vazias iam dando lugar às mães e filhos, muitas e muitas crianças correndo pela rua em direção à escola. O prédio, uma espécie de caixote de concreto cercado de muros e arames, ecoava um ruído de profundezas misturado ao primeiro sinal, aquela campainha estridente, como a da fábrica vizinha de sua casa. Viu os funcionários, professores e professoras se aprontando, enquanto as crianças formavam uma fila sonolenta.
Fila formada, os professores aproximavam-se conversando sorridentes, mudando rapidamente o semblante ao cruzarem os portões do pátio principal. Notou que algumas professoras olharam para ele, afinal era novo ali, mas estavam ocupadas demais com suas turmas e não tinham tempo para qualquer atenção mais individual naquele mundo de alunos.
Sua turma entra toda na sala e um silêncio se instalou com sua chegada. Um silêncio curioso e apreensivo com o novo professor. Silêncio que não duraria muito tempo não fosse o auxílio da estagiária que o apresentou à turma naquele dia.
Dada esta introdução um pouco dramática a aula correu bem. A pouca experiência pesava, ele sabia. Mas a turma formada há um tempo já tinha sua dinâmica e o trabalho correu bem naquele dia. Não fosse por um detalhe. A vida é cheia deles.
Enquanto recolhia alguns textos numa extremidade da sala (este professor ainda não tinha dominado aquela famosa capacidade dos olhos atrás da cabeça) sentiu um vulto correndo pela porta e ouviu risos de alguns alunos. Perguntou o que tinha acontecido. E os alunos e alunas mostravam não saber e limitavam-se a balançar a cabeça e dizer é doida professor, não liga não.
Ter uma aluna desaparecida era algo que ele não poderia deixar de dar atenção. Era novo ali e uma aluna desaparecida não era nada bom. Chamou o aluno que parecia ser o mais informado da sala – justamente esse que já tinha suposições para a fuga da menina – para chamar o inspetor da escola.
Logo o menino voltou com a coordenadora da escola, o professor tremeu, sua testa suava. Fique calmo, ela está com a gente. Não se preocupe.
A aula terminou e o aluno tagarela cuidou dos materiais da menina.
O professor dispensou todos e foi até a sala dos professores.
Todos riam. Olha só, mexeu com os hormônios da menina. Eu sabia, essa vai dar trabalho aos pais.
A coordenadora o chamou num canto e explicou que a aluna virou mocinha naquele dia e correu até ela sem saber o que estava acontecendo. Esse era um assunto muito particular na vida de uma menina e não podia ser tratado com um professor, encerremos o assunto.

Hoje li Clarice e lembrei dessa história.



P.S.: Este texto é rascunho, aceito indicações, correções, críticas, etc. A história continua. Para você Danielly.

2 comentários:

Doro Madda disse...

Duas novas vidas: a do narrador e da colega. Doro

Danila disse...

Muito legal. O início do conto me fez rememorar meus caminhos de manhã à escola.Tive um primeiro dia de aula exatamente assim: sono, enjoo e receio...
Continue escrevendo.