"As palavras me
antecedem e ultrapassam, elas me tentam e me modificam, e se não tomo cuidado
será tarde demais: as coisas serão ditas sem eu as ter dito. Ou, pelo menos,
não era apenas isso. Meu enleio vem de que um tapete é feito de tantos fios que
não posso me resignar a seguir um fio só; meu enredamento vem de que uma
história é feita de muitas histórias." C.L.
Era seu
primeiro dia de aula.
Acordou muito
cedo, ou melhor foi acordado, e tomou banho na tentativa de disciplinar os
cabelos e saiu sem tomar café da manhã. Alimentos e caminhada não faziam bem ao
seu estômago naquele horário. Desde pequeno sua mãe ficava constrangida com o
menino vomitando o desjejum por toda rua, optaram por só comer depois das 10h.
De barriga vazia vestia camiseta branca, tênis, jeans azul e mochila com o
material.
Estava frio e
a vontade maior era de ficar na cama embaixo do cobertor. No caminho via o
orvalho pendurado no mato que molhava o tênis, juntando-se à terra. Ainda pôde
ver o sol nascendo devagar.
A chegada foi
assustadora. As ruas vazias iam dando lugar às mães e filhos, muitas e muitas
crianças correndo pela rua em direção à escola. O prédio, uma espécie de
caixote de concreto cercado de muros e arames, ecoava um ruído de profundezas misturado
ao primeiro sinal, aquela campainha estridente, como a da fábrica vizinha de
sua casa. Viu os funcionários, professores e professoras se aprontando,
enquanto as crianças formavam uma fila sonolenta.
Fila formada,
os professores aproximavam-se conversando sorridentes, mudando rapidamente o
semblante ao cruzarem os portões do pátio principal. Notou que algumas
professoras olharam para ele, afinal era novo ali, mas estavam ocupadas demais
com suas turmas e não tinham tempo para qualquer atenção mais individual
naquele mundo de alunos.
Sua turma
entra toda na sala e um silêncio se instalou com sua chegada. Um silêncio
curioso e apreensivo com o novo professor. Silêncio que não duraria muito tempo
não fosse o auxílio da estagiária que o apresentou à turma naquele dia.
Dada esta
introdução um pouco dramática a aula correu bem. A pouca experiência pesava,
ele sabia. Mas a turma formada há um tempo já tinha sua dinâmica e o trabalho
correu bem naquele dia. Não fosse por um detalhe. A vida é cheia deles.
Enquanto recolhia
alguns textos numa extremidade da sala (este professor ainda não tinha dominado
aquela famosa capacidade dos olhos atrás da cabeça) sentiu um vulto correndo
pela porta e ouviu risos de alguns alunos. Perguntou o que tinha acontecido. E os
alunos e alunas mostravam não saber e limitavam-se a balançar a cabeça e dizer
é doida professor, não liga não.
Ter uma aluna
desaparecida era algo que ele não poderia deixar de dar atenção. Era novo ali e
uma aluna desaparecida não era nada bom. Chamou o aluno que parecia ser o mais
informado da sala – justamente esse que já tinha suposições para a fuga da
menina – para chamar o inspetor da escola.
Logo o menino
voltou com a coordenadora da escola, o professor tremeu, sua testa suava. Fique
calmo, ela está com a gente. Não se preocupe.
A aula
terminou e o aluno tagarela cuidou dos materiais da menina.
O professor
dispensou todos e foi até a sala dos professores.
Todos riam.
Olha só, mexeu com os hormônios da menina. Eu sabia, essa vai dar trabalho aos
pais.
A coordenadora o chamou num canto e explicou que a aluna virou mocinha naquele
dia e correu até ela sem saber o que estava acontecendo. Esse era um assunto
muito particular na vida de uma menina e não podia ser tratado com um
professor, encerremos o assunto.
Hoje li
Clarice e lembrei dessa história.
P.S.: Este texto é rascunho, aceito indicações, correções, críticas, etc. A história continua. Para você Danielly.